Este depoimento, registrado em 2024, é de uma paciente que, após quase 15 de casamento, viu o marido abandonar o lar para viver com a psicóloga que os atendia, a mesma profissional em quem ela confiava desde o início da gravidez.
Hoje, após muito trabalho terapêutico, ela concordou em compartilhar sua história de forma anônima. Não para reviver a dor, mas para fortalecer quem passa por algo parecido e lembrar que, quando profissionais cruzam a linha da ética, é o amor-próprio que precisa falar mais alto:
Eu sempre acreditei que amor, confiança e cuidado eram os três pilares que sustentavam nossa vida a dois. Durante quase quinze anos repeti para mim mesma que, qualquer que fosse a tempestade, atravessaríamos de mãos dadas.
Eu era jovem quando engravidei; ele assistiu a cada consulta, segurou minha mão no ultrassom e prometeu que nada seria mais importante do que a família que nascia.
Foi nessa época que conhecemos a terapeuta, indicada por amigos. Ela nos recebeu com voz macia, tapete felpudo e diplomas na parede. Disse que trabalharia nossa comunicação, ajudaria a manter o casamento saudável.
Eu saí da primeira sessão acreditando ter encontrado um cofre para nossas vulnerabilidades, um lugar onde segredos virariam pontes em vez de bombas.
Os meses seguintes foram ligeiros: parto, noites em claro, fraldas, choros trocados, irritações pequenas que todo casal atravessa. A terapia seguia em modo manutenção; discutíamos divisão de tarefas, fadiga, expectativas não ditas.
Eu acreditava naquele pacto silencioso que cobre a relação entre paciente e profissional.
Quando nosso filho completou seis meses, notei meu marido mais recolhido. Atribuí ao cansaço e à pressão no trabalho. Ele, porém, passou a estender as sessões individuais, dizendo que precisava de um espaço só dele. Fiquei feliz com a iniciativa, sem imaginar que aquele mesmo espaço seria usado para me destruir.
Até que, numa terça-feira, ele chegou mais cedo, pediu café e disse que precisava conversar. Senti o coração na garganta. Em frases curtas contou que estava apaixonado e que sairia de casa naquela mesma noite.
A pessoa de quem falava, completou, era alguém que eu conhecia. Quando pronunciou o nome da nossa psicóloga, senti o chão desaparecer.
A mão que segurara a minha no ultrassom agora agarrava outra história, construída às escondidas, nos intervalos das sessões. Ele fez as malas em quinze minutos. O silêncio que ficou pesava mais do que qualquer grito.
Os dias seguintes viraram borrão: recolher roupas, avisar família, explicar ao bebê por que o colo do pai sumira. Amamentava chorando, sentindo vergonha e raiva na mesma respiração. Revirei conversas antigas, procurei sinais ignorados. Nada justificava tamanho golpe.
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Descobri que os dois já viviam juntos desde que meu filho tinha dez meses. Minha dor virou assunto em grupos de amigos. Entre gestos de empatia surgiam os imperativos: “Denuncie!”, “Processa!”, “Ela precisa perder o registro!”. Cada toque no celular disparava adrenalina, e eu percebi que indignação coletiva consola, mas não cura.
Decidi buscar apoio com outro terapeuta. Ele me explicou que a relação terapeuta-paciente é protegida por códigos éticos rígidos. Saí com orientações sobre como denunciar ao Conselho Regional de Psicologia.
Passei dias reunindo provas: prints de mensagens, recibos, datas de atendimentos, relatos de amigas que perceberam a mudança de comportamento dele após as consultas.
Voltar aos detalhes latejantes era doloroso, mas transformava sofrimento em argumento. Enquanto isso, meu bebê aprendia a sentar; a vida, de algum modo, insistia em crescer.
Criei rotinas mínimas de autocuidado: alongamento matinal, cochilos sincronizados com o sono do meu filho, caminhadas curtas no quarteirão. À noite, registrava três pequenas gratidões num caderno: “hoje consegui comer sem chorar”, “ri quando ele bateu palmas”, “terminei um capítulo de livro”.
Nas redes, a nova dupla exibia cafés artesanais e legendas motivacionais. Doía, mas comecei a deslocar o foco para dentro. Quando sentia vontade de espioná-los, abria o bloco de notas e escrevia metas simples: beber água, marcar consulta médica, responder e-mails do trabalho. Cada item cumprido era um tijolo de volta ao chão firme.
No meio disso, mergulhei na burocracia. Aprendi a redigir petições básicas, protocolei documentos online, dialoguei com conselheiros.
Não vou mentir: houve noites em que quase desisti, exausta e com medo de retaliação. Então lembrava do primeiro juramento que fiz ao meu filho: protegê-lo inclusive das dores que não escolheu.
A indignação, quando canalizada, tornou-se combustível. Descobri facetas de coragem que desconhecia e uma rede de mulheres dispostas a emprestar força quando a minha vacilava.
Sete meses depois, recebi o parecer preliminar do CRP: instaurada sindicância ética. Chorei de alívio, não por vingança, mas porque uma instituição validava aquilo que eu sentia.
Na mesma semana, fui convidada a falar numa roda de conversa sobre saúde mental. Tremia, mas contei a história inteira. Ao final, uma mulher me abraçou e sussurrou: “Você me deu coragem para sair de uma relação abusiva”. Saí dali entendendo que a cicatriz pode virar mapa para quem ainda está perdido.
Hoje, pouco mais de um ano depois daquela terça-feira, escrevo na sala do meu apartamento novo, pequeno, mas meu. Meu filho corre entre blocos coloridos, erguendo torres que desabam e recomeçam.
Continuo em terapia; ainda existem gatilhos. Não sou heroína imune; sou obra em progresso, tijolo sobre tijolo. Às vezes alguém pergunta se perdoei. Respondo que perdoar, para mim, foi soltar a corda que me mantinha amarrada ao passado, não esquecer o que houve.
Se você atravessa tempestade parecida, ofereço a bússola que lapidei neste caminho:
- Rompa o silêncio: procure quem acolha antes de opinar;
- Documente tudo: prints e recibos viram armadura;
- Celebre milímetros: a primeira respiração sem choro conta;
- Cuide do corpo: movimento devolve presença;
- Projete horizonte: objetivos pequenos são pontes para futuros maiores.
Guardei também um lembrete escrito no espelho: paciência é forma de coragem.
Nos dias cinzentos releio esse mantra e deixo que ele me empurre um centímetro adiante. Aprendi que reerguer-se não é linha reta; é curva, é espiral. A mesma espiral que um dia me afundou agora me eleva, volta após volta.
Minha história começou com a quebra de três pilares, mas ergui fundações novas: consciência, autonomia e coragem. Se a traição foi terremoto, o amor-próprio tornou-se arquitetura antissísmica.
Hoje, quando encontro alguém no auge do desespero, estendo a mão que um dia precisei e digo, com voz firme: você não é o que fizeram com você; você é o que decide fazer a partir daqui. Daqui em diante, cada passo, por menor que pareça, já é superação.
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