Por que a Síndrome de burnout não é uma doença mental?

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Porque é classificada pela OMS como fenômeno ocupacional, resultado de estresse crônico no trabalho, sem critérios diagnósticos únicos de transtorno mental.

Por que a Síndrome de burnout não é uma doença mental?

Conforme as definições oficiais, o burnout é visto principalmente como o resultado de fatores externos (estressores laborais crônicos), e não como um distúrbio intrínseco do funcionamento mental ou cerebral.

Na CID-11, inclusive, há orientação de não diagnosticar burnout se houver presentes transtornos como depressão, ansiedade ou transtornos de estresse pós-traumático.

Nesses casos, o quadro é melhor explicado por uma condição mental já reconhecida.

Em outras palavras, se o indivíduo atende critérios de um transtorno mental clássico, o diagnóstico recai naquele transtorno, e não em burnout.


Diferenças entre burnout e alguns transtornos mentais

Apesar de sintomas sobrepostos, burnout e transtornos mentais como depressão e ansiedade, por exemplo, diferem em aspectos-chave.

A principal diferença está no fator desencadeante e escopo:

  • O burnout tem origem exclusivamente ligada ao trabalho;
  • A depressão e ansiedade são condições que surgem independentemente do contexto e afetam múltiplas áreas da vida do indivíduo.

Na depressão, o humor deprimido e a falta de prazer não se restringem ao trabalho. A pessoa costuma sentir tristeza profunda, desesperança e apatia em vários contextos da vida.

Além disso, a depressão ocorre devido a uma combinação de fatores biológicos (como predisposição genética e alterações neuroquímicas) e psicossociais, muitas vezes sem um estressor externo claramente identificável.

Já no burnout, o esgotamento é reativo a condições específicas do trabalho. O indivíduo estava emocionalmente bem, mas após prolongadas situações de sobrecarga, desenvolve exaustão.

Uma pessoa com burnout frequentemente relata que os sintomas pioram nos dias de trabalho e melhoram (pelo menos temporariamente) fora do ambiente laboral, o que não acontece na depressão grave (onde o sofrimento é mais difuso e constante).

Em relação à ansiedade: a ansiedade patológica geralmente envolve um estado de alerta constante e apreensão que não se limita ao trabalho. Há sintomas mesmo fora do expediente.

Já o burnout não é essencialmente um transtorno de medo ou apreensão, mas sim de esgotamento; a pessoa burnoutada pode até ter ansiedade secundária (como ansiedade de enfrentar mais um dia estressante), mas o núcleo é a exaustão e o cinismo, não a preocupação antecipatória típica dos transtornos ansiosos.

Resumindo, a diferença central é:

  • Burnout é situacional e específico do trabalho
  • Depressão e ansiedade são transtornos mentais clínicos de caráter mais geral.

O burnout deve ser considerada uma doença mental?

Alguns especialistas defendem que o burnout deveria ser reconhecido oficialmente como um transtorno mental, enquanto outros argumentam que mantê-lo fora dessa categoria é adequado.

Argumentos a favor:

  • O burnout grave traz prejuízos funcionais significativos, comparáveis a de transtornos mentais estabelecidos;
  • Dar status de doença mental facilitaria cobertura por seguros de saúde e ações trabalhistas, garantindo que os pacientes recebam suporte necessário.

Argumentos contra:

  • Para alguns o burnout é essencialmente uma depressão (ou transtorno de estresse) desencadeada por trabalho;
  • O conceito de burnout foi construído de forma pré-científica, a partir de observações e narrativas sem o rigor de definição que outros transtornos tiveram;
  • Tira o foco da responsabilidade das empresas e instituições em prevenir o estresse excessivo.

Argumentos meio-termo:

  • Alguns sugerem que o burnout é um subtipo ou especificador dentro de transtornos de ajustamento ou de estresse, mantendo a conexão com o fator causal.

Enquanto isso, o consenso atual é tratar o burnout com seriedade equivalente a uma condição de saúde mental, oferecendo apoio e intervenção, mas classificá-lo de modo diferenciado para enfatizar sua natureza situacional.


Perguntas frequentes

  1. O que, afinal, é a síndrome de burnout?
    É um estado de exaustão física e emocional causado por estresse crônico no trabalho, marcado por três eixos: cansaço extremo, cinismo/distanciamento do trabalho e sensação de ineficácia profissional.
  2. Se não é doença, por que ela aparece no CID-11?
    Porque o CID-11 tem uma seção para fenômenos ocupacionais (capítulo 24). O burnout entra ali (código QD85) como motivo de procura por serviço de saúde, não como doença em si.
  3. O DSM-5 reconhece burnout?
    Não. O DSM-5 (manual de psiquiatria) não criou um diagnóstico específico; casos graves costumam ser enquadrados como transtorno de ajustamento, depressão ou ansiedade, conforme os sintomas.
  4. Burnout é a mesma coisa que depressão?
    Não. Os sintomas se sobrepõem, mas a depressão afeta todas as áreas da vida, enquanto o burnout está vinculado exclusivamente ao contexto de trabalho.
  5. Quais são os sintomas-chave?
    Exaustão persistente, atitude cínica ou negativa em relação ao trabalho e sensação de baixa realização/eficácia. Dor de cabeça, insônia e irritabilidade costumam fazer parte do pacote.
  6. Burnout pode virar depressão ou ansiedade?
    Pode, se o estresse persistir e não houver intervenção. Não tratar o burnout aumenta o risco de desenvolver transtornos mentais formais.
  7. Existe exame de sangue que detecte burnout?
    Infelizmente, não. O diagnóstico é clínico, baseado em entrevista, questionários validados (como o Maslach Burnout Inventory) e avaliação do contexto laboral.
  8. Posso pegar atestado médico por burnout?
    Sim. No Brasil, o médico pode usar o código QD85 do CID-11 para afastamento. Em alguns países europeus, o burnout já é motivo reconhecido de licença ocupacional.
  9. Meu plano de saúde é obrigado a cobrir tratamento?
    Depende do contrato e da regulação nacional. Como não é doença, algumas operadoras exigem que o quadro seja registrado como depressão ou ansiedade para cobrir psicoterapia ou medicação.
  10. Quais profissionais tratam burnout?
    Psicólogos e psiquiatras para suporte emocional e, se necessário, medicação; médicos do trabalho, RH e gestores para ajustar condições laborais; às vezes fisioterapeutas e nutricionistas entram no time.
  11. Existe remédio próprio para burnout?
    Não há fármaco específico. Antidepressivos ou ansiolíticos podem aliviar sintomas, mas o tratamento-raiz envolve ajustes no trabalho, psicoterapia e mudança de estilo de vida.
  12. Burnout pode acontecer fora do emprego, tipo em cuidadores familiares?
    Tecnicamente, o termo oficial da OMS só vale para contexto ocupacional. Fora do trabalho fala-se de “exaustão por cuidado” ou estresse crônico, não de burnout.
  13. Minha empresa pode ser responsabilizada?
    Sim. Se ficar comprovado que condições de trabalho causaram adoecimento, a empresa pode responder por dano moral, pagar estabilidade provisória ou adaptar o posto.
  14. O que as organizações devem fazer para prevenir?
    Limitar jornada excessiva, promover pausas, incentivar apoio social, treinar lideranças, reconhecer resultados e criar cultura de equilíbrio vida-trabalho.
  15. O burnout um dia pode virar diagnóstico de doença mental?
    Talvez. Pesquisas continuam e alguns especialistas defendem a inclusão. Por ora, falta consenso científico sobre critérios claros e diferenciação de depressão.

Referências

  • AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
  • BIANCHI, Renzo; SCHONFELD, Irvin Sam; LAURENT, Eric. Burnout-depression overlap: a review. Clinical Psychology Review, Amsterdam, v. 36, p. 28-41, mar. 2015. DOI: 10.1016/j.cpr.2015.01.004.
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